Na noite de ontem a insônia me pegou de jeito. Minha mãe sempre disse que quem dorme tarde, mas consegue dormir por horas a fio, não tem insônia.
Não foi o caso. Dormi três mal dormidas horas. Antes delas, pensamentos incansáveis. Da lista de mercado a amores perdidos. Do filme do que passou a projeções de futuros, aliados à uma voz budista me lembrando que é no presente que a vida mora. No agora. Sozinha, acompanhada, cheia de dor ou de fé.
Agora. Naquela cama que preciso trocar o lençol, naquele vira e revira pra achar uma posição, nos carneiros que não sei contar, no telefone mudo, nas palavras presas, nas ditas, nas malditas, no texto pra entregar, no projeto que não sai, na proposta arriscada, no livro abandonado no criado mudo, na música que dá nó no peito, nas cobranças e culpas que tento limpar, nos fantasmas que vagam pelo quarto, no cartão postal que não chega, nos fios luminosos que crio e alimento.
Respirei fundo. Ri de mim mesma, me fazendo de vítima e acreditando.
Lembrei de um livro que lia quando pequena, que contava a história de uma menina que morria de medo de monstros à noite. De dia, ela passava pelos mesmos lugares e percebia que tudo que a tinha amedrontado eram sombras, de coisas que ela não tinha medo algum. E ria. E acalmava. É. O mito da caverna me foi apresentado bem antes que eu soubesse quem foi Platão.
Eu, menina, ainda tenho medo de sombras.
Eu, mulher, demoro pra dormir.
Até lembrar que nem tudo é exatamente o que aparenta ser no silêncio do quarto escuro. E principalmente que onde há sombra, há luz.
MEDO DE ESCURO – #prosadetati foi escrito originalmente em Beleza Comprada
